...de cada vez que me desprego da cruz cai-me a alma aos pés e sinto-a dorida do uso diário gasta em palavras e pontuações...sempre que avanço uns poucos de passos os pés frios sobrepõem-se à febre do chão que grita em uníssono e eu sou o pano frio que absorve todas as dores...sempre que vivo um pouco mais e sangro e falo e grito e choro e peço e entendo e calo e aceito e arranho e expludo e caio e fico...sempre que ponho os pés na estrada morro um pouco mais do que o a menos naquela cruz onde ficava parada......os fantasmas que se arrastam em asas sem penas frequentam o esqueleto dos dias sem calendário e esvoaçam perdidos como matéria dos pesadelos que se formam à minha beira...sempre que os emolduro na minha parede de lamentações as preces que faço caem como pedras lentas no poço da minha alma e nunca atingem o seu fundo porque desconheço-me em todas as horas e em todas as direcções...sei que sou isto aqui entrecortada na palavras que teço atarefada em deixar "falar" primeiro a alma antes do gesto do corpo...e como não é fácil assim entender-me ou entender-vos...
...apenas sei que caem as penas...

3 comentários:

Porcelain disse...

... desprega-te da cruz... se ela te cair aos pés... dá-lhe a tua mão e ajuda-a a levantar... encoraja-a e diz-lhe que está tudo bem... o uso diário magoa a alma se não encontrarmos uma forma de a proteger... não protegendo-nos de nada nem de ninguém; pelo contrário, a melhor forma de proteger a alma é amando... amando sempre que conseguirmos serpentear por entre os ponteiros do relógio... sem medo que alguém venha e roube o que possuímos... já que nada possuímos... amar é deixar fluir... amar é dar liberdade... deixa-te ser pano frio que aborve dores... põe os teus pés onde estiver a dor... a febre do chão não te assusta, pois deténs em ti uma fonte inesgotável de amor... põe os pés na estrada, eles foram feitos para serem entregues ao mundo, à vida e à dor, mesmo que isso signifique que caminhem para a morte... desprega-te da cruz...

... desconheces-te, desconhecemo-nos, nunca ninguém se conhecerá... procura conhecer-te apenas e conhecerás o Universo inteiro... espanta os fantasmas conhecendo-os... mesmo que se arrastem em asas sem penas, conhece-os e transformar-se-ão nos teus melhores aliados... deixa que sejam a matéria dos teus pesadelos e assim te ajudem a desvendar os teus mais profundos e recônditos medos e acetas negadas e renegadas... eles que frequentam o esqueleto dos dias sem calendário conhecem o esqueleto da mente que pede para ser descodificada... não os emoldures... ama-os apenas... assim como a toda essa parede de lamentações... pede, pede, elabora as tuas preces, que elas sejam as mais belas que conseguires desejar, sonhar, imaginar... talvez elas caiam ainda... deixa-as cair lentamente no poço da tua alma... atingirão o fundo um dia... no dia certo, na hora certa... quando a tua alma cansada não estiver tão cansada e estiver um pouco mais preparada... quando te conheceres em todas as horas e em todas as direcções... agradece à poesia que deixa a tua alma gritar pelo meio das palavras... quem precisa do gesto do corpo...

Entende-te e entenderás o Universo... deixam que as penas caiam... a renovação é necessária...

Sabes que sinto muita falta das tuas palavras... dos teus textos... tens sido uma grande professora para mim, minha querida... a minha escrita cresce à sombra da tua... posso não ter evoluído muito, mas se evoluí alguma coisa de há um ano a esta parte, a ti to devo... sinto-me por isso profundamente grata, querida amiga... tenho saudades tuas... beijos grandes!!

António Silva disse...

A mágoa faz parte da vida. Não adianta ter medo dela, nem nos lamentar-mos.
A mágoa está sempre lá...
Mas mesmo assim, é melhor seguir em frente.

Arábica disse...

As mágoas têm um fim.
Concluída essa tarefa, esvoaçarão como penas.

E a alma ganhará novas asas.


Beijos.